Gaslighting? Cê tá louca!

De acordo com a Wikipédia, Gaslighting é “uma forma de abuso psicológico no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade.”

É o popular “cê tá louca!”amplamente e comumente usado para desvalidar a posição e atitude de muitas mulheres. Se você acha que isso é papo de feminista maluca (opa, olha o gaslighting) vem cá, dá a mão que vou tentar explicar com funciona.

Quase sempre quem faz uso deste artifício são os homens, claro que têm exceções, mas eu estou falando da maioria aqui, ok? Então ok.

Sabe aquele amigo que tem uma namorada louca, maluca, pirada, surtada, meu deus como que ele aguenta essa mina? Então, grandes chances de rolar esse abuso aí. Porque vamos lá, quem aguenta efetivamente gente maluca, pirada, surtada por muito tempo? Claro que sempre há uma chance da pessoa ser mesmo maluca, mas para o caso de “minas loucas” recomendo cautela em comprar esse discurso.

A maravilhosa da Chimamanda Adichie já falou sobre o perigo de uma única história e, embora o viés seja outro, bem cabe aqui neste contexto. Duas pessoas, dois lados, duas histórias. Cuidado ao comprar história de minas que são gratuitamente loucas.

Li uma vez que nós mulheres, frequentemente nos justificamos que não somos loucas, mesmo quando não temos motivo para tal.

– Nossa moço, vim no banco e esqueci o cartão, mas não sou louca, viu?
– Nossa, tentei passar na catraca do metrô sem validar o bilhete, mas não sou louca, gente!

No máximo isso configura uma pessoa distraída, mas não louca. De onde vem esse medo de ser louca? Qual motivo desse pânico e as tantas justificativas, muitas vezes antecipadas, de que somos sãs?

A prática de desvalidar a mulher é histórica, são coisas que escutamos desde sempre, a fulana é louca, é histérica, tem falta de pinto, tem TPM, tem frescura, faz mimimi, é desvairada, uma pessoa sem controle enfim. A gente escuta tanto tudo isso, que acaba acreditando.

Frases como “nossa, era uma brincadeira, que chatice a sua” ou “ai como você é exagerada”, tem também “affe, mas você vê pelo em ovo”, tem uma muito boa, escutei bastante é o “como você é maldosa, não tem nada demais”. Enfim, tem uma variedade de frases que desestabilizam, impõe dúvida e faz com que a gente duvide de si mesma.

Se você acha que isso é exagero meu, faz uma busca aí na sua memória, talvez no seu circulo de amizades, com certeza paira uma mina louca nele e há grandes chances dela ser namorada de alguém, e há chances imensas de que o namorado dela que diga isso para os outros, que ela é louca!

Vou contar um caso próprio para ilustrar como funciona o abuso: fui numa festa com um cara que então era meu namorado, lá em determinado momento ele sumiu, fui atrás do dito cujo e encontrei ele sentado, dando selinho numa mina, mão na perna dela, proximidade e aquela coisa toda. Fui tirar satisfação com ele e adivinhem o que ele me disse?

– VOCÊ É LOUCA? EU ESTAVA FALANDO NA ORELHA DELA, ELA ESTAVA TRISTE PORQUE BRIGOU COM NÃO SEI QUEM! COMO VOCÊ É MALUCA, CIUMENTA, DESEQUILIBRADA!

Mas gente, eu vi, EU VI COM OS OLHOS QUE O FOGO HÁ DE CREMAR ele beijando a moça, mas me chamou de louca, maluca, que via coisa onde não existia, que era muito maldosa e preparem-se para a virada estratégica:

– SE VOCÊ FOI CAPAZ DE ENXERGAR ISSO, DEVE SER PORQUE VOCÊ É ASSIM, JÁ ME TRAIU OU TEM VONTADE, PORQUE NÓS VEMOS O QUE SOMOS. [tentei adaptar o ditado dele para me ver ryca, mas não funciona mesmo]

Preciso falar que eu terminei pedindo desculpa? Me achando a pessoa mais maluca da terra? Você pode até falar no auge da sua maturidade que eu fui muito bestinha, mas isso acontece muito mais do que você imagina, então amigo, cuidado, não seja esse cara, não desvalide as minas só para manter um discurso seu, não faça essas merdas e miga, enormes chances de que você não seja louca , vem cá, dá abraço ❤

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Se eu tivesse uma filha

Revirando umas fotos minhas antigas, encontrei uma com 19 anos e lembrei de como me achava feia, gorda, horrível e, como podem ver, eu era magra. Já na segunda foto, a mais atual, estou gorda, de fato, e de biquíni, veja só, meu primeiro que tive desde os 18 anos, que ainda não botei em uso por falta de praia perto e amigos com piscina. O fato é que hoje, mais velha e mais gorda, eu me sinto infinitamente mais feliz comigo do que jamais estive, não é curioso?

Eu acho que muito disso vem do fortalecimento que o feminismo tem me dado e também em conversar com tantas mulheres incríveis e me forçar para romper com a ideia de que somos competidoras, em ter amigas, em me respeitar mais, sabe? Vendo as minhas fotos, apesar de antes mais nova e magra, consigo me amar mais hoje por ter marcas, por ter optado em ser como sou, hoje eu sou assim por escolha minha.

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Com 19 anos e com 34 🙂

Eu nunca quis ter filhos, nem pensava sobre isso, a ideia me assustava muito, mas hoje, às vezes penso que até gostaria de ter e penso se fosse uma menina, gostaria de ensinar algumas coisas pra ela, coisas que eu gostaria que tivessem me falado quando era mais nova.

Queria explicar pra ela que mulher nenhuma tem a obrigação de ser linda, porque mulher não veio ao mundo para ser adorno, mas que ela deveria se sentir assim se quisesse, com todas as particularidades que ela pode ter, além do próprio corpo.

Queria que ela soubesse que pode ser gorda, magra, ter estria, ter peitão, ter peitinho, quadril largo, bunda pequena, que pode ter celulite, que pode não gostar de maquiagem ou gostar. Que ela pode ter cabelo liso, enrolado, curto, longo ou ser careca. Que ela pode ser o que quiser, inclusive ser linda.

Queria contar pra ela que mulheres não são competidoras natas, que não precisamos guerrear uma com as outras, queria que ela entendesse que uma das coisas mais bonitas que existe é a amizade entre mulheres, aquela que te acolhe, que te conforta e que te entende pela igualdade.

Queria que ela entendesse que o sexo é bonito e que é algo livre, para se fazer quando tem vontade e não ser usado como moeda de troca. E que acima de tudo, que sexo só é bom quando é bom para todos que estão fazendo.

Queria que ela entendesse que o corpo evolui, que envelhecer é uma sorte e não azar, que o tempo traz muitos benefícios, como o reconhecimento de si mesma na própria pele.

Queria que ela soubesse dessas coisas, mas, se fraquejasse e não conseguisse acreditar nisso sempre, que tentasse se lembrar de apenas uma verdade fundamental, a de que toda pessoa pode ser o quiser e que esta é única obrigação de qualquer um no mundo.